Entrevista: Galo

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O estilo, as técnicas e os elementos que o artista de rua Galo usa nas suas criações são fatores que fizeram a gente se tornar fã do trabalho do cara. Convidamos ele pra trocar uma ideia com a gente e falar sobre vários assuntos.

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Nessa entrevista exclusiva, Galo contou sobre como foi as transições artísticas pelas quais passou, como foi o início dos seus trampos na rua, o que o motivou a fazer graffiti, entre muitas outras coisas!

O bate papo foi animal e você pode conferir todos os detalhes abaixo:

 

Dionisio Arte: Para começar, conta um pouco da sua história e como você foi parar no graffiti? 

Galo: Tudo começou quando eu fui trabalhar no bairro do Cambuci, em São Paulo, no final de 2008. Como eu não conhecia o bairro, tinha o costume de andar por lá e, nessas andanças, descobri o trabalho d’OSGEMEOS. Depois, fiquei sabendo que os caras moravam por lá e, aos poucos, foi nascendo em mim a necessidade de pintar na rua. Nunca fui daquele tipo de pessoa fanática pelo graffiti e nunca tinha me interessado à ponto de comprar revistas do gênero ou coisas do tipo, só queria pintar na rua, e assim foi.

Como eu não tinha familiaridade nenhuma com o spray, mas queria começar de alguma forma, fui até a Galeria do Rock e comprei umas latas. Na época, uma lata importada custava uns 15 conto, então comprei umas 5 latas e ainda perguntei pro vendedor: “Moço, você vende aqueles bicos que fazem traço fino?”

O vendedor deve ter pensado ” O que esse cara veio fazer aqui? “, mas mesmo assim me vendeu os caps e eu ainda comprei uma revista d’OSGEMEOS. Pensava comigo “já tenho as latas, os caps e a referência, é só chegar em casa e mandar ver no muro.” Tinha a convicção de que, com o material em mãos, eu conseguiria fazer um trampo igual à eles, mas não foi bem o que aconteceu. Como eu não tinha coragem de sair pintando na rua, tentei fazer um trampo no quintal de casa mesmo.

Ao colocar o primeiro traço na parede, saiu um traço de uns 3cm, daí troquei o cap, mas o traço continuava grosso e comecei a xingar o vendedor no meu inconsciente. Comecei a ficar puto, com o dedo indicador doendo e, no final das contas, além de ter feito um trampo zoado, acabei finalizando com o polegar por que não aguentava mais pintar com o indicador. Como desgraça pouca é bobagem, ainda fiz letras com os dizeres “free-style”e enfeitei tudo com umas rodinhas, tentando transformar numa moto ou algo parecido.

Como essa experiência não deu muito certo, acabei indo na semana seguinte pra parede, desta vez na rua, mas usando o que eu tinha mais familiaridade, o pincel. Pintei telas de 1998 até 2008 e, como tinha um pouco de esmalte base água em casa (resultado de um portão que não tinha terminado de pintar), adicionei corante azul na cor marfim e saí de casa com duas garrafinhas, uma na cor marfim e outra na cor azul, torcendo pra polícia não me prender.

É por esse motivo meu trampo se tornou monocromático… pensava comigo “se os ‘homi’ encostar, eu junto as garrafinhas (no caso eram 2) e, desse modo, é mais fácil sair correndo”. Imagina sair correndo com 15 garrafas de várias cores… pra não arriscar, saí com só duas.

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DA: Como aconteceu a mudança e de onde surgiu o empenho para trocar o ramo da arquitetura pela arte? 

Galo: Na verdade, não houve uma troca, houve uma passagem gradual. Eu trabalhava com acústica durante a semana e, nos finais de semana, fazia graffiti. Levei isso por 3 anos até que saí do trampo de acústica e acabei por me dedicar integralmente ao graffiti.

A arte sempre me acompanhou de alguma forma. Eu comecei a pintar telas no curso de arquitetura, na matéria de história da arte com a professora Vera Lúcia Barion Belleza. Até então, não imaginava que conseguiria pintar uma tela, parecia algo muito distante, muito caro.

Ter tido a oportunidade de trabalhar com a linguagem de projeto, escala e outras metodologias diversas, me ajudou a ter uma bagagem bacana para conduzir outros trabalhos complementares ao graffiti.

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DA: Seu trabalho é bem elaborado e cheio de detalhes e contrastes. Como foi a passagem da tela para os muros? Quais foram as vantagens e as dificuldades? Você precisou alterar muita coisa no seu estilo? 

Galo: No começo, foi um pouco complicado. Quando fui para os muros, os pincéis eram quase do mesmo tamanho que eu usava nas telas e isso refletia num tempo de execução muito extenso, algo entre 7 e 8 horas de trabalho. À medida que passei a trabalhar com pincéis maiores, esse tempo diminuiu, mas aos poucos essa condição foi criando um dilema.

Até que ponto valia a pena pintar mais rápido e qual o reflexo dessa rapidez no resultado final do meu trabalho? A maneira que encontrei para lidar com isso foi manter o tempo e continuar fazendo um trabalho num período de 6 a 8 horas, mas usando esse tempo para agregar detalhes de composição que ajudassem meu trampo a evoluir.

Antes de fazer graffiti na rua, eu acreditava que era um pintor surrealista. Acreditava tanto nisso que cheguei a ler o manifesto surrealista de André Breton inúmeras vezes para que os ideais surrealistas entrassem por osmose na minha cabeça. Com o tempo, percebi que por mais que eu me dedicasse, iria chegar no máximo na unha encravada do Salvador Dalí. Era uma luta quase insana pra, no final das contas, alguém chegar pra mim e dizer “legal seu trampo, parece o Salvador Dalí”.

Ao mesmo tempo que a palavra ‘parece’ massageava o ego, era uma condenação dolorida por que sinalizava, de maneira cruel, a falta de capacidade artística de vencer uma referência e entrar no perigoso mundo de ser apenas uma cópia, por mais autoral que eu parecesse ser. A comparação seria inevitável.

Quando decidi fazer graffiti, eu tive que me propor a fazer algo oposto. Quem gosta de pintura acadêmica sabe que fugir do traço e da linha é um caminho elegante no campo da representação da natureza, representar um objeto pela linha é a linguagem mais simples e direta, representar um objeto pela fusão das cores e abstrair a linha é quase um ideal de perfeição e que ter um traço e uma característica própria, uma identidade, é mais difícil ainda.

Hoje em dia, o pessoal não sabe a diferença entre referência e cópia. A cópia no começo é um ótimo exercício, mas depois de velho, acho algo lamentável o sujeito que continua copiando os outros. A referência te ajuda à compor uma identidade, uma identidade reflete e afirma que um conjunto de referências gerou algo diferente e esse algo diferente é a identidade. Ter identidade é ser reconhecido pelo seu traço, sua cor.

Nesses tempos atuais, percebo um certo modismo e uma busca desenfreada pelo realismo. Acho o realismo bem feito bonito, e o melhor exemplo dessa arte é o Belin. Mas, vejo muita gente tentando copiar e, na maioria das vezes, fazendo um realismo sem contraste de luz e sombra e sem nenhuma identidade. O realismo sem identidade é algo frio e chamar qualquer desenho, feito de qualquer jeito de realismo está se tornando algo convencional. A realidade tem contraste, tem textura e eu me pergunto várias vezes, onde estão estes elementos em determinados trampos.

Então, pra buscar uma identidade, eu tive que voltar pra linha, pro traço e pra simplificação de processos. Acho que foi daí que veio a ideia do degradê, por causa da sua rapidez na criação de volume. Com duas cores é possível criar uma combinação quase infinita de volumes, sendo que tive que ignorar um processo de pensamento artístico para me adaptar à um tempo menor e isso influenciou a minha maneira de pintar.

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DA: Da onde vêm essas ideias surreais que você tem? Quais as suas inspirações pra cada mural?

Galo: As ideias podem vir de qualquer coisa. Quando estava na faculdade, a professora ensinou um método de criação que consistia em pensar na composição, desenhar primeiro em preto e branco, depois desenhar colorido, só pra depois disso pintar a tela. Fiz isso por alguns anos até perceber que, quando ia pintar, o quadro já nascia morto, pois não havia espaço para criatividade por que todo o processo engessava o “fazer criativo” de tal forma que não havia brecha pra mais nada.

Quando comecei a fazer graffiti, deixei essa metodologia de lado e adicionei algumas variáveis no processo de criação, tais como tempo, condições climáticas, a pessoa que vai pintar ao meu lado e sua possível intenção de interagir, o tipo de muro, alguém que para pra conversar, o que vi durante o caminho e durante o percurso até chegar no muro onde o graffiti será feito… essas variáveis têm profunda relação no que acontece dentro do processo e às vezes a parede tem algumas particularidades como janelas, buracos e fios. Tudo isso ajuda a inspirar.

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DA: O nível técnico dos seus murais é absurdo. Conta um pouco do processo de materiais que você usa, se você estuda técnicas e métodos e se você se inspira em outros artistas.

Galo: Eu uso pincéis de cabo amarelo, com cerdas amarelas. É o pincel pra pintar em parede mesmo. Quanto a tinta, costumo usar o esmalte base água e os corantes líquidos. Gosto do esmalte base água por conta do acabamento e da versatilidade dessa tinta, que pode ser usada em metais, paredes, madeira e até vidro.

Não costumo estudar técnicas, mas aprendi a usar spray há um tempo atrás. Porém, confesso que não gosto da relação do spray com a parede. É algo muito aéreo e o fato do spray não tocar a parede me incomoda. O pincel tem uma relação mais visceral com a parede, acontece um atrito, é outra coisa. Acho que um método que estou aprendendo a ter, é o da paciência. A paciência é mais importante do que pintar, pois com ela é possível estudar bem o que se pode fazer e que efeitos pode-se atingir.

Antes de ir pra rua, me inspirei muito em Hieronymus Bosch. Gosto muito da relação de luz e sombra e do ar medieval das obras dele, foi algo que busquei em uma tela que marcou minha ida pra arte de rua. Era pra ser algo dark, mas ficou tão colorido que me perdi na cor. Também gosto do trampo do Ignoto, do Alex Senna, do Asaph Luccas, do Pedrada, do Biofa… é muita gente boa que faltaria espaço escrever aqui.

A técnica que uso é algo bem velho, basicamente o degradê e a linha. Mas, percebo que meu trampo vem sofrendo alterações e está começando a “descolar” da parede. Antes era algo bem chapado, basicamente degradê e traço, depois comecei a adicionar sombras e movimento, e agora tô trabalhando com a profundidade e com a intercalação de planos.

Também estou usando o degradê no contorno e trabalhando com a perspectiva através da cor, alterando a cor entre planos para dar profundidade à composição.

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DA: Por falar em inspirações, conta um pouco das suas referências tanto aqui no Brasil como lá fora. Você também curte outros tipos de arte além do meio em que você está inserido?

Galo: Gosto do trampo do Hieronymus Bosch, INTI, Phlegm, Kueia, Ignoto, Jae, Nuno Skor, Odrus, Gregone, Dot Dot Dot, Ozi, Crione e gosto também de escultura, música e artes cinéticas.

Sempre que posso costumo visitar museus, amostras de arte, feiras gastronômicas e populares. Isso alimenta o imaginário.

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DA: Para finalizar, o que você acha deste momento que o graffiti está vivendo no Brasil? Você acredita que essa arte está sendo valorizada e que o grafiteiro e seu trabalho estão ganhando mais espaço? 

Galo: Sem dúvida, é um momento bom para o graffiti. Mas, o que acredito que seja mais significativo é a aproximação do graffiti com as políticas públicas de gestão e a criação e incentivo de corredores culturais.

Essa aproximação política abriu portas para que, em outras cidades, houvesse um diálogo entre grafiteiros e políticos, algo que antes não existia. O graffiti sempre foi marginalizado, underground e parte dele continuará sendo. Porém, outra parte, aos poucos, ganhará mais espaço.

A valorização é um processo cultural, mas nós não temos a cultura de consumir arte. Então, creio que daqui a alguns anos, com investimentos em educação e, principalmente, com incentivos à produção cultural, aos poucos surgirá um público que seja capaz de perceber a arte de uma forma diferente. Esse público, sim, vai valorizar a arte.

O graffiti é uma das formas de arte mais contemporâneas da atualidade, sendo que em todo lugar do mundo tem alguém grafitando. O mundo, de alguma forma, também está de olho no que acontece no Brasil.

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