A street art com certeza é uma forma do artista expressar suas ideias e se “vingar” da sociedade e dos problemas estruturais que ela apresenta. E exatamente com base nisso, o grafiteiro Paulo Ito trabalha suas criações.
Paulo é um dos nomes mais importantes da cena do graffiti paulistano na atualidade.
Desde que começou a desenvolver seu trabalho nas ruas da capital paulista no ano 2000, ele vem se fortalecendo e ganhando cada vez mais prestígio com um estilo crítico e que estimula a auto reflexão das pessoas.
Porém, seu primeiro contato com a arte urbana foi quando ainda era criança, ao ver o grande John Howard pintando na rua e ouvir os motivos que o levaram a trabalhar naquilo.
Trocamos uma ideia com o Paulo onde, além de contar sobre o seu início de carreira, ele também falou sobre suas referências, suas inspirações, as barreiras que sua arte encontrou e muito mais! Confira a entrevista completa:
Dionisio Arte: Conte um pouco sobre você. Como você começou, quanto tempo tem no graffiti e como conheceu a arte / arte de rua?
Paulo Ito: Comecei a fazer painéis em 97 com colegas do curso de artes da Unicamp. Já na rua, o começo foi no ano 2000, em São Paulo.
Não acompanhava muito arte urbana, mas lembro que quando tinha pouco mais de 10 anos, vi um cara pintando na rua. Como sempre gostei de pintura, apesar de ser muito tímido, fui falar com ele.
Ele contou que tinha sido preso por ter pintado um ônibus da prefeitura, já que o prefeito Jânio Quadros havia gasto uma soma razoável pintando toda a frota de ônibus da cidade de vermelho.
Nas palavras dele: “eu pago imposto, então o ônibus também é meu”. Esse cara era ninguém mais ninguém menos que John Howard.
DA: Da galera da rua, quem você tem como referência?
Paulo Ito: Tem muita gente que eu acho que cria um trampo interessante. Quando comecei, o Herbert Baglione era (não que ele ainda não seja) uma grande referência, assim como muitos outros que eu admiro tanto pelo trampo quanto pela pessoa, em proporções relativas.
Um cara que não conheço pessoalmente e que acho que faz um dos trabalhos mais corajosos hoje em dia é o Salomão Montenegro.
DA: Você possui algo que move sua arte ou algum motivo especial pra fazer o que você faz?
Paulo Ito: Acho que meu trabalho é uma espécie de vingança. Quando eu era mais novo, tive a “oportunidade” de apanhar na rua algumas (poucas) vezes, mas nunca tinha dado uma lição em ninguém. (risos)
Então, ficava imaginando como seria acertar um desafeto meu na cara. Hoje, vou até a parede e é a minha maneira de acertar as contas. Mas é claro que a necessidade de expressão em si é algo inerente ao artista.
DA: Como é pintar na rua? Quais são os prós e os contras?
Paulo Ito: É muito bom no sentido de ser algo completamente livre. Não tenho curador, não tenho marchand, não tenho que obedecer nenhum tipo de lógica de mercado e sequer tenho crew.
Por outro lado, às vezes , fico com a impressão de que meu trabalho é apagado com maior rapidez que outros. Mas isso não é um dado estatístico.
DA: Qual a mensagem por trás dos seus trampos? Seus temas são direcionados à alguém (ou à algum público específico)?
Paulo Ito: Eles são direcionados à quem possa se interessar e à quem consegue entender minha arte.
Muitas pessoas não tiveram oportunidades através da educação e da CULTURA (desculpe a caixa alta – essa é para aqueles que estudaram, mas se tornaram tecnocratas) de ter capacidade cognitiva para o entendimento de um trabalho meu.
Quanto às pessoas que critico, logicamente tenho preferência em retratar o “Stupid White Man” (o homem branco estúpido), usando as palavras do Michael Moore. Muitas vezes, são pessoas como eu e que possuem diversas contradições (nesse caso, a pintura é menos uma vingança e mais uma auto crítica).
Portanto, pra gostar do meu trabalho, também é preciso ter um pouco da capacidade de rir de si próprio e, espero, pensar a respeito e fazer uma auto reflexão.
DA: Você gosta de algum trabalho em especial?
Paulo Ito: Gosto de muitos, mas me veio na cabeça a empena cega (lateral sem janelas de edifício) do Tec, que fica no Minhocão.
Acho o trabalho muito bom, mas o que o torna espetacular é que o artista o produziu de maneira totalmente independente e com os próprios recursos, contrariando a lógica do patrocinador que normalmente está mais interessado em florzinhas e coloridinhos.
DA: Fala um pouco do seu processo de criação? Como surgem suas ideias?
Paulo Ito: Fico bastante inquieto com o que me indigna. Não sei por que, talvez eu tenha um pezinho no Asperger.
Essas coisas ficam voltando à minha mente e, quando consigo pintar algo sobre essa questão que me deixa indignado, o fato até pode continuar, mas o peso que ele trazia desaparece pra mim.
O processo é esse: ficar atento às ideias e anotar o tempo todo. Depois, passar para a parede de um modo que seja bem claro, considerando a grande dificuldade de compreensão de algumas pessoas (como eu disse anteriormente).
DA: Possui projetos futuros? Tem algo que queira falar sobre seus próximos trabalhos?
Paulo Ito: Tenho tentado produzir coisas sozinho, mas é bastante difícil. A sociedade é muito conservadora e meu trabalho se depara com inúmeras barreiras.
Tive parcerias com produtores que não foram tranquilas, aliás não sei se ainda tenho. Esses profissionais fazem aquilo que não sei fazer, mas eventualmente ganham mais do que eu, então é difícil pagar.
Felizmente, existem ONGs e parceiros que se interessam pelo que faço, muitas vezes por indicação. Lamentavelmente, eles acabam conhecendo sobre arte de rua via a grande mídia, o que certamente não é um bom canal. Às vezes eles aceitam minhas ideias, às vezes não.
Hoje mesmo, um amigo meu da Europa disse que tentou me indicar para um grande evento por lá, mas como era o governo que estava apoiando, eles ficaram com medo. Ouço muito esse tipo de coisa e imagino que há vezes que eu sequer fico sabendo dessas barreiras.
Então, por isso, sou forçado a ser o mais independente possível. O que lamento é que eu sou um péssimo produtor. (risos)
DA: Qual a sua percepção sobre obras que retratam e homenageiam artistas e personagens conhecidos do grande público?
Paulo Ito: Vi uma matéria que vocês fizeram sobre o Salmos, que faz um trabalho extremamente criativo e original. Revendo as suas imagens, me lembrei de alguns trabalhos de rua que se utilizam de retratos de personalidades enquanto homenagem (não é o caso do Salmos, que transcende a coisa e usa outros assuntos enquanto mote).
Fico vendo o quanto esses trabalhos se aproveitam de figuras já consagradas para alavancar status frente ao público. É uma receita que realmente funciona, mas o mérito é do artista ou do homenageado? A impressão que tenho é que o fulano pinta a tela pra dar de presente pra presidente ou pro apresentador de TV.
Mas enfim, cada um faz o que quer. O que me choca é a multidão aplaudindo essas iniciativas. Nestes casos, criar aparentemente é o que menos importa.
A gente é super fã do trabalho do Paulo Ito e deixamos aqui nosso muito obrigado pela atenção e pelo tempo que o cara reservou pra gente.
Os graffitis dele são sensacionais e a gente recomenda que você dê uma conferida lá na fanpage dele no Facebook e também no seu Instagram.