Um dos artistas plásticos brasileiros com carreira mais consolidada internacionalmente sem dúvidas é Oscar Oiwa. Com um curriculum tão recheado, não poderíamos deixar de convidá-lo para bater um papo com a gente.
Nessa entrevista, Oscar contou sobre a sua vivência em Tóquio e Nova York e como isto influencia na sua arte, falou também sobre referências, os momentos mais importantes de sua carreira, entre muitas outras coisas.
A conversa foi muito legal e você confere todos os detalhes abaixo:
Dionisio Arte: Da onde surgiu o desejo de deixar o Brasil e viver tanto no Japão quanto nos EUA?
Oscar Oiwa: O Brasil sempre foi um país de crise cíclica, mas sempre se recuperou. Estamos agora numa dessas crises, mas acredito que vamos sair dela em breve.
Hoje em dia, com a informática, tudo é mais rápido, e isto vale para entrar ou sair das crises. Na época em que me formei na faculdade, a FAU-USP, o país vivia a era Collor em que congelaram a economia e tudo estava parado. Enquanto isso, do outro lado do planeta, o Japão estava com a economia super aquecida , vivendo uma bolha econômica e precisando de muita mão de obra.
Assim, quebrei o meu cofrinho, comprei uma passagem aérea e fui para lá. Em 2 semanas, arrumei um emprego e comecei a trabalhar como arquiteto em um escritório de arquitetura. Tinha algumas dificuldades com a língua e no trabalho, pois lá se projeta e se constrói de uma forma diferente.
Eu era bom para fazer os materiais de apresentação, era dedicado e o pessoal gostava de mim. Assim, fui me virando nos primeiros anos que vivi em Tóquio. Como também queria fazer algo pessoal, durante a noite e nos finais de semana, ficava produzindo as minhas coisas e, pouco a pouco, foram aparecendo as exposições.
DA: Como foi viver em Tóquio e como é viver em Nova York? Essa vivência internacional influenciou no seu trabalho?
Oscar Oiwa: Alguns anos depois de ter mudado para Tóquio, a bolha econômica estourou e os serviços ligados à arquitetura foram ficando escassos. Mas a essa altura, eu já conseguia viver das vendas das pinturas e projetos de obras artísticas em espaços públicos.
Cinco anos depois de ter mudado a Tóquio, aos 30 anos, fui passar uma temporada de um ano em Londres através de uma bolsa residência do Delfina Studio Trust. Cheguei no final do ano, o tempo era ruim, tinha poucos amigos e lá comecei a trabalhar com a tinta óleo.
Haviam muitos colegas no prédio em que eu trabalhava que usavam a tinta óleo. No silêncio do dia a dia fui testando e mergulhando nessa técnica. Os museus londrinos tinham uma coleção espetacular onde passei horas observando mestres históricos como Vermer e Constable.
Depois, retornei para Tóquio e, mais tarde, em 2002 , consegui ganhar algumas bolsas americanas e me mudei para a cidade de Nova York. Claro, inevitavelmente toda essa vivência foi influenciando o meu trabalho.
DA: Já que falamos de influências, quais artistas e estilos foram suas referências no início de carreira? Eles permanecem os mesmos hoje em dia?
Oscar Oiwa: Quanto mais o tempo passa, quanto mais viajo e vejo coisa novas (às vezes não tão novas), fica evidente que menos conheço o mundo.
Não há muito como conhecer o mundo se vivermos sempre o presente somente em um determinado círculo social e lugar. Sempre gostei de pinturas antigas, sejam elas do Oriente ou do Ocidente. Mas, trabalhar com a arte contemporânea me fez aprender na prática, convivendo com muitos artistas e visitando mostras.
No meu tempo de estudante em São Paulo, trabalhei muitas vezes como assistente e monitor em diversas Bienais. Conheci muitos artistas que hoje são históricos, como Anselm Kiefer, Keith Haring, Frank Stella, Christo, etc. Foi a época em que artistas brasileiros como a Leda Catunda ou Daniel Senise começaram a aparecer. Tenho um boa amizade com eles até os dias de hoje.
DA: Como foi a experiência de criar uma obra para a Copa do Mundo no Brasil e ter o seu trabalho vinculado à um evento tão importante para os brasileiros?
Oscar Oiwa: A experiência foi boa por que sabia desse projeto desde as Copas anteriores, mas não tinha a minima ideia de quem organizava isso. Isto por que são centenas de companhias que licenciam os direitos de uso do logo nos eventos ligados à FIFA.
Até que, um belo dia, assim de surpresa, mandaram um e-mail me convidando para o projeto. Porém, pelo que sei, as vendas foram péssimas dentro do país por que houveram muitos problemas ligados à importação desse material impresso na Europa. O Brasil dentro de um panorama internacional é um país economicamente muito fechado e difícil de trabalhar.
DA: Qual momento da sua carreira foi mais marcante entre obras, exposições e Bienais?
Oscar Oiwa: Muitos e muitos. Entre os antigos, gosto do painel “Virado a Paulista” feito no estúdio 1 da Faculdade de Arquitura (FAU USP) em 1983, quando eu era ainda um estudante calouro. Gosto do trabalho “Kit Modernussaurus” que ganhou um Prêmio Aquisição no Salão Paulista de Arte Contemporânea (em 1986).
Gosto da minha dupla de “Baleias” que fiz quando ainda era estudante e que, mais tarde, participou da 21ª Bienal de São Paulo (em 1991). Depois disso, mudei para Tóquio e fui reinventar a minha fórmula e técnica de trabalhar.
Acho que a mostra mais importante que fiz até hoje foi justamente em Tóquio, uma retrospectiva ocupando um andar inteiro do MOT – Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, em 1997.
Entre as obras recentes, destaco a instalação realizada numa ilha ao sul do Japão chamado “Oiwa Island” (veja o vídeo clipe abaixo). Trata-se de um gigantesco desenho feito somente com canetas Marker, dentro de um domus inflável que tinha ao todo 350 m² de superfície.
[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=cFTCROFehEA”]FOTO[/su_youtube]
DA: Atualmente, você está trabalhando em alguma nova obra? Gostaria de falar um pouco sobre seus novos projetos?
Oscar Oiwa: Passo todas as semanas, de segunda a sexta, das 8h às 18h, no meu estúdio. Portanto, coisas novas sempre vão aparecendo de uma forma constante.
Tenho catalogado pouco mais de 1000 trabalhos. Além das pinturas que ocupam a maior parte do meu tempo, às vezes aparecem os projetos satélites. No momento, estou em fase de pesquisa sobre como montar uma instalação para o Festival Internacional de Artes (Kita-Alps) nas montanhas japonesas. A inauguração vai ser em junho do ano que vem e quero usar uma loja desativada, transformando-a em uma instalação.
A ideia é utilizar a luz como matéria-prima. Quero projetar a paisagem externa para o interior, usando furos que funcionarão como um projetor natural. Seria como o princípio das antigas câmeras fotográficas (pinhole camera), mas ainda não sei se a ideia vai dar certo. No momento, estou estudando o assunto e testando os materiais.
DA: Um dos temas que você costuma abordar é a questão do “globalismo”. Tem algum significado em especial por trás dessa temática?
Oscar Oiwa: Tenho 3 cidades onde me sinto muito em casa: Nova York , Tóquio e São Paulo. Acho que vivi um terço da minha vida a partir da adolescência em cada uma das cidades, sempre indo e vindo bastante.
Minha ideia de um mundo global começou na época em que trabalhava nos bastidores da Bienal de São Paulo, observando os artistas internacionais. Na época, ainda não existia a internet e começava a aparecer no horizonte algo fantástico chamado fax.
E assim o mundo foi mudando, mas o espírito de um mundo global existia dentro de mim, antes de a palavra “globalismo” se popularizar. A ideia de um mundo conectado sempre me intrigou e assim esse tema tem aparecido em muitas das minhas pinturas.
DA: Conta um pouco sobre o seu livro que, por sinal, ficou bem legal.
Oscar Oiwa: Recentemente, um livro chamado The Creation of the World foi lançado no Japão com o perfil das minhas obras nos últimos 7-8 anos. O meu plano inicial era publicar o livro no Brasil, e todo o trabalho burocrático foi feito junto à lei de incentivo fiscal, a Lei Roaunet.
Junto com os meus associados no Brasil , passarmos 3 anos atrás de patrocinadores, onde eu só gastava dinheiro… Infelizmente, por falta de patrocinador, acabei desistindo da ideia e fui fazer o livro junto com uma editora de Tóquio.
Lá, além da qualidade acabar sendo melhor, o custo sai quase pela metade do preço por que todo o custo relativo à burocracia da lei de incentivo fiscal brasileira é cortado (contador, captador, produtor, etc).
Fazer um livro dá muito trabalho para editar e publicar e, mesmo vendendo 2-3 mil exemplares, você ainda ficará no vermelho se mantermos um preço razoável. Porém, ele é importante para unir as peças, já que tenho muitas obras espalhadas pelo mundo. Trabalho com várias pessoas e assim o livro ajuda a ter uma ideia geral da produção.
Para quem quiser dar uma espiada em como ficou o resultado final do livro, é só clicar AQUI. Porém, por enquanto, o livro ainda não está à venda no Brasil.
DA: Você tem alguma mensagem para deixar ao jovem internauta candidato a ser um creator?
Oscar Oiwa: Vou copiar um parágrafo inteiro do livro citado acima que foi publicado recentemente:
“Nada é fácil nesse mundo… qualquer coisa que você faça, se quiser fazer bem feito. Sucesso fácil normalmente é sinônimo de efêmero. Para ser um artista profissional é preciso trabalhar muito para aprimorar as suas ideias e a sua técnica. Não acredite piamente no que os professores dizem. Elas podem servir como alguma referência, mas é fundamental que a criatividade nasça dentro de você. O excesso de informações, muitas vezes, acabam atrapalhando o desenvolvimento do seu instinto natural. Acorde cedo, trabalhe intensamente e fique focado, no mínimo, por 40 horas semanais. Parece bastante, mas ainda restará umas 80 horas semanais para trabalhar, namorar e se divertir. Não perca o hábito de estudar (línguas estrangeiras, computação, administração, etc), artista é como qualquer outro profissional. Essa coisa de artista doido que só trabalha quando vem a inspiração divina não existe. Vendo o Museu do Van Gogh, em Amsterdã, a quantidade de obras que foram pintadas chama a atenção. Dividindo o número de obras pelos anos que ele passou ativo, a grosso modo, Van Gogh deve ter realizado uma pintura por semana. Viver fora do seu país de origem é, sem dúvida, um bom aprendizado, mas não se iluda. Vida de artista é difícil em qualquer lugar do mundo. Fora do seu país de origem, mais ainda, pois vai ter que competir com os artistas locais.”